Há algum tempo, a percepção sobre Richarlison tem se concentrado em aspectos de sua vida pessoal, o que geralmente não é um bom sinal. Jogadores de futebol de elite, como ele, vivem em um mundo muito particular da sociedade, onde as janelas abertas para o mundo exterior costumam revelar realidades desconfortáveis, mostrando que o sucesso não resolve tudo. Na verdade, o sucesso pode gerar uma nova camada de problemas para os quais poucas pessoas estão preparadas.

Ficou famosa a imagem de Richarlison chorando após ser substituído no jogo entre Brasil e Venezuela, em setembro do ano passado. O que parecia ser uma demonstração de fragilidade diante do mundo – e dos julgamentos superficiais feitos à distância, muitas vezes com altas doses de ignorância e preconceito –, na verdade, foi mais uma prova de coragem que o atacante do Tottenham ofereceu aos que acompanham o futebol com interesses que vão além das aparências.

Hoje sabemos que a pessoa responsável pela administração de sua carreira o traía e roubava de dentro de sua própria casa na Inglaterra, levando um relacionamento de anos a um rompimento abrupto e dramático, num episódio capaz de desorientar até mesmo um perito em compartimentalização. O que vimos naquela cena no banco de reservas da seleção brasileira no estádio Mangueirão, em Belém (PA), foram um jogador em má fase e uma pessoa desamparada, cada um se alimentando do outro, ambos sofrendo diariamente na busca por soluções.

Anteontem, de volta à seleção, Richarlison declarou que “a terapia salvou minha vida”, em outro exemplo do que, especialmente em ambientes competitivos como o do futebol profissional, costuma ser percebido como uma demonstração de fraqueza. Como se a decisão de alguém de se voltar para si mesmo e trabalhar questões pessoais sob a orientação de um profissional fosse uma admissão de incapacidade. O depoimento de Richarlison, que, não por acaso, começa a se sentir melhor e se reencontrar como jogador de futebol, não tem valor apenas pela recomendação do tratamento psicológico feita por um jogador de alto alcance midiático. É a bravura de retirar a capa de super-herói que figuras como ele carregam sem escolher.

Note que Richarlison fez questão de não se esconder, apesar de ter motivos para não se expor. Poderia ter entrado no vestiário no Mangueirão e ninguém o veria chorar. Poderia ter se calado sobre o golpe que sofreu dentro de seu círculo mais íntimo, até por vergonha, e o episódio não geraria repercussão. Poderia ter mantido a decisão de procurar ajuda médica como um assunto particular, sem correr o risco de ser rotulado como um jogador mentalmente frágil. Preferiu utilizar a oportunidade, suas próprias experiências e sua voz para estender ajuda a quem esteja sem rumo como ele esteve.

No caso de Richarlison, a incursão na vida pessoal de um jogador de futebol que está no topo da pirâmide não causou reviravoltas no estômago. A mensagem que fica é a de um atleta consciente de sua posição e das responsabilidades que a acompanham. É mais um motivo para torcer por ele.